quinta-feira, 3 de abril de 2014

Primavera

Ele me olhava por trás daquelas lentes grossas e parecia que ali algo dizia que eu nunca mais ia chorar. Olhos grandes e cor de amêndoa que eram a representação da paz no mundo. No meu mundo. Os lábios eram igualmente grandes, mas estranhamente estavam sempre secos. Então eu voltava a realidade e dava continuidade a piada que ele começou, e riamos juntos. E como ríamos... A gargalhada dele era engraçada, ele ria com a boca aberta, e quando a coisa era muito engraçada, não saia som. Quando não era tanto, o riso dele era um "hahaha" perfeito, muito, muito cativante. Os dentes eram grandes - e mais tarde eu descobri o quanto isso era bom, porque pegava uma grande parte de mim e mordia com força. As vezes ele me abraçava, e seu braço parecia dar duas voltas em mim, e apesar de magros, eram tão confortáveis quanto um travesseiro de penas. Quando pegávamos ônibus, ele se encostava em mim e dormia, e aqueles cachos roçando no meu ombro até que... digamos que não me incomodava, que eu gostava. E as vezes ele erguia a cabeça pra rirmos de alguém bizarro - mesmo que nós mesmo fossemos. Até na entorpecia, nossas energias se misturavam, nossa graça era a mesma. No telefone, ele parecia falso. Parecia que não existia, parecia alguém fingido ser algo que queria ser - e na boa, quem não queria ser o que ele é? Até hoje é surreal, e só tenho certeza que existe nos sábados onde posso senti-lo com a minha própria pele. Então passei sempre levantar a cabeça - que vivia baixa, pra rirmos. Passei a ressurgir. A erguer o dedinho do pé, por não ter forças pra erguer o resto do corpo, pra, de todo coração, rir com ele. Um dia, quando levantei a cabeça e dei de cara com seus lábios e foi muito sugestivo. Ainda bem que ele fez despertar minha alegria e gostou do meu sorriso. Agora, os lábios dele estão sempre molhados e estou sempre tão erguida que fico na pontinha do pé.

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